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Acesso em 12/10/2025 às 23h57.

Engenharia e saberes indígenas se unem em debate sobre integração entre ciência e cultura na formação de novos profissionais

Painel na 80ª SOEA mostrou como a aproximação entre conhecimento técnico e ancestral pode transformar o ensino e promover uma Engenharia mais inclusiva e sustentável

8 de outubro de 2025, às 12h07 - Tempo de leitura aproximado: 5 minutos

O painel “Quebrando Barreiras: Indígenas e a Engenharia”, moderado pela Eng. Pesca Alzira Miranda, presidente do Crea-AM,  durante a 80ª Semana Oficial da Engenharia e da Agronomia (SOEA), trouxe reflexões sobre a presença e o protagonismo indígena nas ciências aplicadas e na formação de engenheiros comprometidos com a sustentabilidade e a valorização dos saberes tradicionais.  

As apresentações mostraram como o diálogo entre o conhecimento técnico e o ancestral pode ampliar a compreensão sobre o território, fortalecer políticas de conservação e inspirar novas práticas educacionais e profissionais. A mesa reuniu experiências e pesquisas que evidenciam caminhos para integrar ciência, cultura e espiritualidade na construção de uma Engenharia mais diversa, inclusiva e conectada à realidade dos povos originários. 

Geól. Cisnea com Orome Otumaka Ikpeng, e Eng. Ftal Fatima Piña-Rodrigues

A Geol. Cisnea Menezes Basilio, da Coordenação do Núcleo Estadual de Fronteira do Estado do Amazonas (NIFFAM), abriu as apresentações do painel mostrando sua pesquisa sobre a relação entre Geologia e cosmovisão indígena. O estudo realizado por ela analisa os povos do Alto Rio Negro, destacando a profunda conexão entre a geodiversidade e os valores espirituais dessas comunidades. “Para nós, indígenas, o sagrado tem um contexto diferente, de seres cosmológicos. As formações rochosas, os rios e os solos são nossos parentes, uma extensão dos nossos corpos. Tudo aquilo que afeta o território, afeta nossas vidas”, afirmou. 

A pesquisadora explicou que sua investigação se concentra nos Sítios Naturais Sagrados (SNSs), locais reconhecidos pelos povos nativos como territórios de valor espiritual, geológico e cultural. No Amazonas, alguns desses espaços já contam com reconhecimento institucional, mas muitos ainda aguardam estudos e políticas públicas que assegurem sua preservação. “A pesquisa científica deve ser compreendida como um processo de reconexão cultural, e não apenas acadêmico”, disse.  

Segundo ela, metodologias participativas e decoloniais são fundamentais para resgatar o protagonismo dos povos originários e ampliar o diálogo entre ciência e tradição. “Essa integração permite que a visão ancestral amplie a compreensão das ciências geológicas, incorporando dimensões espirituais e simbólicas à análise do território e à conservação dos patrimônios naturais e culturais do Brasil”, destacou. 

Formação técnica como ponte 

Durante sua fala, Orome Otumaka Ikpeng, estudante de Engenharia Florestal e diretor da Rede de Sementes do Xingu, destacou a importância de aproximar o conhecimento indígena da formação técnica em Engenharia. “Os povos originários são guardiões das florestas e detentores de saberes fundamentais para a conservação ambiental. Nesse sentido, a Engenharia Florestal deve ser entendida como uma ciência aplicada à sustentabilidade, capaz de promover um diálogo entre diferentes formas de conhecimento e respeitar a contribuição dos povos indígenas na proteção dos ecossistemas”, disse. 

Entre as oportunidades apontadas, Orome reforçou o potencial da integração entre saberes tradicionais e científicos na construção de projetos de manejo comunitário e geração de renda sustentável. Iniciativas como o pagamento por serviços ambientais (PSA) e o fortalecimento cultural das comunidades foram citadas como caminhos concretos para unir conservação ambiental e desenvolvimento social. No entanto, ele alertou para os desafios persistentes — como conflitos fundiários, falta de políticas públicas e barreiras burocráticas — que limitam a autonomia dos povos indígenas e dificultam a implementação de soluções realmente colaborativas. 

O palestrante defendeu a formação de engenheiros florestais capazes de atuar de forma ética, intercultural e participativa, valorizando os saberes tradicionais e promovendo práticas de manejo sustentável. “Disciplinas como etnociências, direitos indígenas e Engenharia Florestal intercultural, somadas a estudos de caso práticos, são essenciais para desenvolver profissionais com visão crítica e sensibilidade social”, afirmou. 

Como resultado, ele disse esperar que os novos engenheiros ampliem o papel da Engenharia Florestal na sociobiodiversidade, contribuindo para políticas públicas, inovação social e para um futuro em que ciência e ancestralidade caminhem lado a lado. 

Necessidade de ampliar a presença de indígenas nos cursos de Engenharia 

A Eng. Ftal. Fátima Piña-Rodrigues, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), encerrou o painel destacando o grande desafio de ampliar a presença indígena nos cursos de Engenharia, especialmente na Engenharia Florestal. Segundo ela, dos cerca de 70 mil estudantes indígenas no ensino superior brasileiro, apenas 16% estão matriculados em cursos de Engenharia. “O cenário reflete tanto a falta de integração curricular quanto a ausência de espaços de acolhimento e pertencimento dentro das universidades”, disse. 

Geól. Cisnea com Orome Otumaka Ikpeng, e Eng. Ftal Fatima Piña-Rodrigues

Fátima apresentou dados que apontam que apenas 10% a 15% das disciplinas da Engenharia Florestal despertam real interesse dos estudantes indígenas — o que evidencia a necessidade de uma reformulação curricular profunda. “Precisamos defender um ensino que valorize os saberes tradicionais e inclua conteúdos interculturais, aproximando o conhecimento técnico das práticas ancestrais de manejo e conservação”.  

Em sua participação, ela também falou sobre retenção, evasão e conclusão no ensino superior indígena e a necessidade de ampliar o apoio acadêmico e institucional aos estudantes. Dados apresentados mostram que o tempo médio de formação varia de cinco a dez anos, com 25,5% de concluintes e 43,8% de desistências, o que reforça a importância de criação de estratégias de permanência. Entre as iniciativas apresentadas, ela destacou os cursinhos pré-curso, voltados à formação básica intercultural, e o modelo flexível de acesso, que permite a escolha de instituições com base na proximidade e na rede de apoio familiar. “Precisamos de práticas pedagógicas que promovam a interculturalidade e o pertencimento dentro das universidades”, afirmou Fátima. 

Para isso, a professora propôs repensar as grades curriculares, os projetos pedagógicos e a representatividade do corpo docente, garantindo um ensino mais inclusivo e plural. Ela também reforçou que os povos indígenas desempenham papel essencial na conservação ambiental, uma vez que o país tem 500 milhões de hectares de florestas nativas no Brasil. “Diante das metas de recuperação ambiental até 2030, é urgente a formação de profissionais indígenas capacitados para atuar de forma técnica e culturalmente sensível, conectando tradição e ciência na busca por soluções sustentáveis e socialmente justas”, finalizou. 

 

 

Produzido por CDI Comunicação

 

 

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