Na pegada do carbono e da transição energética
1 de maio de 2023, às 13h09 - Tempo de leitura aproximado: 8 minutos
A troca de fontes convencionais de energia por opções mais sustentáveis e inovadoras já é uma certeza. Em resposta à crescente demanda, que resulta da hiperconexão e da digitalização de processos, prioriza-se a produção energética de matrizes diversificadas na tentativa de deixar menores pegadas de carbono e de utilizar os recursos naturais de forma inteligente.
Tanto é que o tema avança para outras áreas do conhecimento além da tecnológica. “O envolvimento de diversos atores e a implementação de estratégias abrangentes são fundamentais”, explica a Dra. Karen Louise Mascarenhas, diretora de Gestão de Recursos Humanos e Liderança do Centro de Pesquisa em Inovação em Gás (RCGI), um centro mundial de estudos avançados sobre a transição energética localizado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). A psicóloga é vice-coordenadora do projeto ‘Percepção social e diplomacia científica nas transições tecnológicas rumo a uma sociedade de baixo carbono’, que analisa novas tecnologias sob o ponto de vista social.
O impacto na economia é também objeto de pesquisadores. “A transição energética no Brasil não é apenas possível, mas altamente necessária e potencialmente benéfica em termos econômicos”, comenta o Prof. Dr. Eng. Aeron. Julio Meneghini, diretor científico do RCGI.
Em entrevista ao Crea-SP, os especialistas compartilham suas análises. Confira:
Qual a relação entre transição energética e emissão de gases de efeito estufa (GEE)?
Julio Meneghini – A transição energética está profundamente conectada às emissões de gases de efeito estufa. No Brasil, essa relação é complexa devido ao fato de que 70% das emissões do país provêm do uso da terra. No entanto, há uma vantagem importante: cerca de 45% da matriz energética brasileira já tem origem em fontes renováveis, graças à rica hidrografia e ao potencial para energia eólica e solar. Apesar disso, ainda há um esforço significativo necessário para lidar com as emissões provenientes do uso da terra, promovendo a agricultura sustentável, prevenindo o desmatamento e incentivando a restauração dos ecossistemas. Isso é crucial para reduzir os GEE e combater as mudanças climáticas de forma eficaz.
E quais são os possíveis impactos da transição? Dos pontos de vista econômico, político e social, levando em consideração o contexto atual de eletrificação de veículos, hiperconexão, iminência de crises hídricas etc.
JM – São impactos em várias frentes. Economicamente, pode gerar empregos em setores de energia renovável, mas também desafiar indústrias dependentes de combustíveis fósseis, como o setor petrolífero com a eletrificação dos veículos. Politicamente, requer compromisso governamental para efetivar políticas e infraestruturas necessárias, especialmente em face de crises hídricas que acentuam a necessidade de uma gestão eficiente de recursos. Socialmente, pode melhorar a qualidade do ar e reduzir as emissões de gases de efeito estufa, embora possa pressionar os sistemas de energia renovável devido ao aumento da demanda por energia devido à hiperconexão. É fundamental garantir a justiça energética, assegurando o acesso equitativo à energia limpa em todo o Brasil. A transição pode trazer ainda benefícios econômicos significativos, com geração de empregos, impulsionamento da inovação tecnológica e aumento da segurança energética do país.
Karen Mascarenhas – Pode haver vários impactos positivos na sociedade, como: redução das emissões de gases de efeito estufa, crucial para mitigar as mudanças climáticas e reduzir os seus impactos negativos (aumento das temperaturas, eventos climáticos extremos e o derretimento das calotas polares); melhoria da qualidade do ar devido à redução da dependência de combustíveis fósseis; estímulo à criação de empregos; segurança energética graças à diversificação de matrizes e melhor aproveitamento de recursos; fora o estímulo à inovação e tecnologia e a descentralização da geração de energia. É importante reconhecer que a transição energética também pode ter alguns desafios e impactos negativos, embora muitos deles possam ser gerenciados e mitigados: desafios de integração; necessidade de substituição de infraestrutura existente; impactos ambientais específicos, como impactos a flora e fauna e comunidades locais; custos iniciais e transição justa.
Aliás, a hiperconexão e alta dependência de energia são problemas neste cenário?
KM – A crescente conectividade e dependência de energia podem ter implicações sociais, tanto positivas quanto negativas. Por um lado, a conectividade global e o avanço das tecnologias de comunicação podem ampliar as oportunidades de interação e colaboração. Por outro lado, é importante garantir que as interfaces tecnológicas sejam projetadas de forma a promover a inclusão, a privacidade, a segurança e a saúde mental, e a não substituir completamente as interações humanas significativas.
Como deve ser feita a gestão para garantia da segurança energética no futuro?
KM – É preciso uma combinação de políticas sólidas, investimentos em pesquisa e desenvolvimento, parceria e cooperação entre diversos setores da sociedade, conscientização pública, infraestrutura adequada e uma abordagem inclusiva e justa. O envolvimento de diversos atores e a implementação de estratégias abrangentes são fundamentais para alcançar uma transição energética eficaz e sustentável.
JM – Gerir a transição para energia limpa e acessível demanda uma estratégia multifacetada. É essencial a criação de políticas públicas robustas que incentivem a adoção de energias renováveis e desestimulem os combustíveis fósseis, possivelmente por meio de subsídios e incentivos fiscais. Investir em pesquisa e desenvolvimento melhorará a eficiência das tecnologias renováveis e reduzirá os custos. Paralelamente, é vital engajar a sociedade através de educação e conscientização. A transição deve ser justa e equitativa, garantindo acesso universal à energia limpa e mitigando impactos negativos, como a perda de empregos em setores dependentes de combustíveis fósseis. Além disso, a cooperação internacional é fundamental, dado o caráter global das mudanças climáticas.
O que o projeto ‘Percepção Social e Diplomacia Científica nas Transições Tecnológicas para uma Sociedade de Baixo Carbono’ tem revelado neste sentido?
KM – O projeto estuda a percepção social e pode fornecer insights valiosos sobre como o público em geral, as comunidades locais e outros stakeholders percebem a transição para uma sociedade de baixo carbono. A diplomacia científica, por sua vez, envolve a colaboração entre cientistas, formuladores de políticas e o público em geral para promover a compreensão mútua e a tomada de decisões informada. É um mecanismo importante para engajar diferentes partes interessadas, discutir os desafios e oportunidades por meio do compartilhamento de conhecimento científico para abordar desafios globais, como as mudanças climáticas e a transição energética. Ao combinar a percepção social e a diplomacia científica, o projeto visa contribuir para a construção de consenso e confiança em relação às transições tecnológicas para uma sociedade de baixo carbono.
Em se tratando de alternativas e tecnologias para captura do CO2, por exemplo, o que temos no Brasil?
JM – Há várias tecnologias promissoras para a captura de CO2, sendo três delas de particular interesse para o RCGI: Captura e Armazenamento de Carbono (CCS), Captura e Utilização de Carbono (CCU) e Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono (BECCS). A CCS envolve a captura de CO2 de fontes de emissão, como usinas de energia, e seu armazenamento em locais geológicos subterrâneos. A CCU, por sua vez, captura CO2 para sua utilização em produtos industriais, transformando um gás de efeito estufa em um recurso valioso. Já a BECCS combina a captura de CO2 com bioenergia, gerando energia com emissões negativas de carbono. No RCGI, estamos investigando e desenvolvendo essas e outras tecnologias de captura de CO2, com o objetivo de implementá-las de maneira eficaz e sustentável. Contudo, entendemos que a transição energética não se baseia apenas em tecnologia, mas também na conscientização e na aceitação pública das mudanças necessárias. Assim, combinando inovação tecnológica com políticas públicas adequadas e engajamento da sociedade, esperamos desempenhar um papel importante na transição do Brasil para uma economia de baixo carbono.
Mas, afinal, o Brasil está preparado para isso?
KM – O país possui um grande potencial para o uso de fontes renováveis e tem sido um dos líderes mundiais na produção de biocombustíveis, especialmente o etanol derivado da cana-de-açúcar, reduzindo o nível de emissões de gases de efeito estufa, principais responsáveis pelas mudanças climáticas. No entanto, há obstáculos que precisam ser superados para aproveitar plenamente esse potencial: implementação de políticas públicas e incentivos que facilitem o acesso e a adoção dessas tecnologias, investimentos significativos em pesquisa e desenvolvimento, capacitação de profissionais e fortalecimento do marco regulatório.
JM – A transição energética no Brasil é não apenas possível, mas também altamente necessária e potencialmente benéfica em termos econômicos e ambientais.
Produzido pela CDI Comunicação