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Acesso em 15/06/2025 às 07h30.

Ondas de calor intensificam discussão sobre aquecimento global

Emprego de novas tecnologias será crucial, afirma meteorologista

5 de agosto de 2023, às 13h51 - Tempo de leitura aproximado: 5 minutos

Tempestades, secas e ondas de calor: por três vezes em uma mesma semana deste ano, o mundo bateu o recorde de dia mais quente já registrado na história. Em 6 de julho, a temperatura média global atingiu 17,23 °C, de acordo com o Centro Nacional de Previsão Ambiental dos Estados Unidos. Para o Meteorol. Carlos Raupp, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP) e conselheiro do Crea-SP, eventos como esses refletem a tendência de ampliação da temperatura média do planeta pós-revolução industrial, com um aumento mais acentuado nas últimas décadas.

“Isso colabora com a hipótese de que o aquecimento global tem se dado em resposta ao crescente aumento da concentração de gases do efeito estufa (GEE) na atmosfera”, afirma.

Em entrevista ao Crea-SP, o especialista fala mais sobre o assunto. Confira:

Como o aquecimento global tem afetado as nossas vidas?

Carlos Raupp: O aquecimento global é uma possível causa do aumento da frequência e amplitude de eventos climáticos extremos. As mudanças climáticas associadas ao aquecimento global têm se caracterizado por mudanças nos padrões de precipitação, que, por sua vez, afetam a questão da disponibilidade hídrica, por exemplo. Essas mudanças, aliadas a outros fatores antrópicos, como o desmatamento, têm afetado a resiliência dos biomas terrestres. Além disso, a dissolução do CO2 (dióxido de carbono) pelos oceanos aumenta a acidez dos mesmos, o que pode estar causando um desequilíbrio nos biomas marinhos em decorrência das emissões.

Quais são e como você avalia as estratégias traçadas para mitigar o aquecimento global?

CR: As principais estratégias para o cumprimento das metas definidas nos acordos internacionais do clima têm sido: 1) a substituição gradual da matriz energética atual, fortemente dependente da queima de combustíveis fósseis, por fontes renováveis; 2) a substituição da frota veicular de modo a utilizar veículos elétricos e de combustíveis renováveis; 3) além do investimento por parte dos países ricos em medidas de proteção dos biomas naturais de países em desenvolvimento. A meu ver, essas estratégias ainda são insuficientes frente ao desafio de limitar em 1,5 ºC o aumento da temperatura média global em relação ao período pré-industrial, principalmente pela resistência de alguns países na definição de metas mais ousadas de redução das emissões.

A preservação da Amazônia tem papel crucial no enfrentamento às mudanças climáticas. Como você avalia a atuação do Brasil neste sentido?

CR: Dado o papel crucial das florestas na captura de carbono da atmosfera, o Brasil tem uma grande responsabilidade e, ao mesmo tempo, uma oportunidade de se tornar uma grande potência no contexto de uma economia de baixo carbono. A meu ver, o país precisa de um projeto de desenvolvimento que consiga aproveitar os recursos da Amazônia de forma sustentável. Uma atividade industrial equilibrada que aproveite o alto potencial manufaturável da biodiversidade amazônica, gerando empregos para a população local, pode ser uma alternativa à agropecuária e à mineração na região – duas das atividades responsáveis pelo desmatamento da região.

Conscientização pública e ações individuais também são essenciais. Como podemos fazer isso no dia a dia?

CR: Caronas solidárias, bem como o uso preferencial do transporte público e bicicletas, são formas de reduzir a quantidade de veículos em circulação e, portanto, contribuir com a redução das emissões. Outras práticas individuais incluem evitar desperdícios de água e energia, reduzir o consumo de materiais não biodegradáveis, além da reciclagem dos resíduos, dentre outras.

Como a ciência tem colaborado com esse enfrentamento e qual a importância disso?

CR: A ciência tem elucidado o papel das crescentes emissões de gases do efeito estufa no aquecimento global e demonstrado como diferentes cenários de emissões podem influenciar no clima no final do século. Consequentemente, tais pesquisas também têm nos proporcionado uma nova visão do clima como um sistema complexo, caracterizado por interações envolvendo a atmosfera, a hidrosfera, a criosfera, a litosfera e a biosfera, além do papel de fatores econômicos, geopolíticos e sociais.

Como profissões tecnológicas ligadas às Engenharias, Agronomia e Geociências podem ajudar a desenvolver soluções para fazer frente à crise climática?

CR: O emprego de novas tecnologias será crucial no alcance das metas de redução das emissões de gases do efeito estufa. Atualmente, já existem tecnologias que auxiliam na redução das emissões. Exemplo disso são aquelas que permitiram o uso dos biocombustíveis e o desenvolvimento dos sistemas de geração de energia eólica e solar. Há também as tecnologias de captura e armazenamento do carbono, tais como o chamado sequestro geológico. Essas atividades requerem profissionais de pelo menos uma das áreas acima mencionadas.

Qual a importância de profissionais interessados em atuar nessas áreas estarem atentos a esse debate?

CR: O avanço científico na questão das mudanças climáticas tem tornado a Ciência do Clima multidisciplinar, envolvendo interações entre o sistema natural (atmosfera, hidrosfera, criosfera, litosfera e biosfera) e os sistemas econômicos/políticos/sociais. Assim, eu diria que um bom profissional da área deve ser capaz de interagir com outros de diferentes áreas do conhecimento.

Também consultado para a reportagem, o Meteorol. Mozar Salvador, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), faz um contraponto sobre os fatos recentes: “Isso revela a existência de uma tendência global de aumento gradativo da temperatura do ar ao longo das últimas décadas. Contudo, há de se considerar que esse é um valor da média global e, portanto, há diferenças regionais. Outro ponto relevante é o fato de que não se deve atribuir o atual resultado unicamente ao aquecimento global, mas também ao fato de que, em julho deste ano, o Oceano Pacífico entrou em uma fase de El Niño, com suas águas mais aquecidas, assim como o Atlântico Norte, que também apresentou águas com temperatura acima da média. Portanto, o recorde pode ser a resultante de uma convergência de fatores”, explica.

O meteorologista indica ainda o que pode ser feito como medida corretiva. “A elevação da temperatura média do ar tem intensificado fenômenos meteorológicos e climáticos, como temporais mais intensos e secas recorrentes. Há diversas iniciativas que atenuam esses efeitos e contribuem para uma vida mais sustentável do ponto de vista do clima. São iniciativas como a produção de energia limpa, o uso racional dos recursos naturais e as novas técnicas de produção agropecuária”, finaliza.